quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Não tão horrível como o que leio nas revistas

         Acordei com o toque padrão da samsung, com a visão turva nem consegui entender o nome que a tela exibia, atendi, era ela, sempre ela, sempre de madrugada, sempre afim de me ver, lavei o rosto, calcei meu coturno pesado e fui, eu sempre ia. Podia sentir seu cheiro doce mesmo estando uns dois metros distante daquele banco de praça, ela chorosa veio ao meu encontro, fazia frio, mas dentro do seu abraço eu me sentia em chamas, era quente, doloroso, porque eu já sabia o final, como fogo ela iria embora após me consumir.
           - Seu babaca, por que demorou tanto assim?
           - Por que você é tão marrenta?
           - Não sou nada, me tira daqui, não quero voltar pra casa hoje, não pra minha.
           Passei o braço por cima dos ombros dela, e fomos pra minha casa, no caminho reclamações, sobre o mundo, sobre rótulos, sobre meus modos, sobre ele, chegamos ao meu quarto caótico, tirei embalagens vazias de cima da cama, bati as cinzas do lençol, nos deitamos, sentia um leve cheiro de nicotina quando seus dedos caminhavam pelo meu rosto, depois que tudo foi dito, que ela colocou tudo pra fora, estabeleceu a calmaria com seus lábios nos meus, me beijou pelo que parecia uma eternidade, e bem, um pouco mais que isso, adormecemos.
            Não demorou muito pra manhã chegar, passei a mão pela cama, tudo que achei foi lençol, ela se foi, é claro, devia estar tudo bem agora certo? Se não por qual motivo ela teria ido pra casa? Mas se estava tudo bem, em casa, com ele, porque ela sempre voltava pra mim? Não pensei muito sobre isso, ignorei, afinal cedo ou tarde o telefone vai tocar novamente não é? E o que farei? Bom, eu me levanto, calço meu coturno, e vou...
         

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Expurgo Semanal

           Já eram duas da manhã, e até o tic-tac do relógio parecia ensurdecedor, porque eu havia comprado aquela merda afinal? Eu sempre olho as horas no celular mesmo. Não conseguia dormir, e um cigarro atrás do outro nunca ajuda, nem no sono nem na gastrite, sempre me disseram que as coisas melhoram conforme os anos passam, mas tudo só parece cada vez mais confuso. Olhei pro teto até o amanhecer, vagando pelos cantos da mente, cochilando entre lembranças, o domingo havia chegado e aquele dia sempre ferra com meu humor.
          Aquele domingo não parecia fazer sentido, nenhum deles faz, as lojas fecham, a TV se transforma em uma tortura tediosa, e você se vê preso entre comédias românticas, que se copiam e não mostram nada além de açúcar sem fim, sua família se reúne, almoça, e magicamente tudo que falaram pelas costas uns dos outros durante toda a semana parece não importar, afinal tudo que importa pra maioria nesse fatídico dia é que a hora de ir pra igreja chegue logo, assim podemos falar mal da roupa que os conhecidos estão usando livremente, depois que a hóstia entrar pela boca estaremos salvos mesmo não é? Não importa as merdas que saíram dela no decorrer da semana.  
          O engraçado nisso tudo, é que se você não aceita participar desses rituais, você é que acaba sendo julgado, se você não consegue esquecer as merdas que aconteceram durante a semana, se você se nega a participar da farsa do dia perfeito. Mas domingo é um dia qualquer, se você não muda, nada muda, nos contamos o tempo apenas pra nos organizar e medir o envelhecimento, quem fala bosta de você ainda é babaca no domingo, o filme sem graça do meio da semana, ainda não tem graça, o macarrão ainda tem o mesmo gosto, e você não é obrigado a fingir que tem amnésia, não deixe te convencerem disso.
     

domingo, 23 de outubro de 2016

O Epitáfio De Um Marujo

O horizonte infinito logo me aguarda,
Onde o vento uiva forte, adeus, enseada.
Observo os acenos, nessa proa desbotada,
O uníssono das ondas, a alma despedaçada. 

Sal por todos os cantos, no mar sem fim,
Em minhas lágrimas, meio mundo se estende,
Entre mim e minha doce amada.

Clamo aos Deuses por proteção,
Que a água não me engula, em sua infinita gula.
Entrego minha prece ao mar, conceda-me se puder,
A chance de fitar novamente, os olhos daquela mulher.

Ouço a madeira ruir, gritos, desolação,
Percebo então que não fui atendido,
O mar me envolve, imensidão.

         



segunda-feira, 27 de junho de 2016

Ícaro

               Passei o dia encarando a sua foto, quando a tarde chegou só conseguia pensar no motivo, vasculhei cada canto da minha mente, não encontrei respostas, calcei aquele velho tênis que minha mãe tanto odeia e sai pra ver o pôr do sol, observei os pardais barulhentos que cruzavam o horizonte, indo pra longe, livres, senti inveja, minhas pernas pareciam pesar o dobro do normal.
               Senti o vento bater forte no rosto assim que cheguei ao terraço do único prédio realmente alto daquela confusa cidade, olhei para baixo, e quis mais ainda ser um pássaro, não uma daquelas pessoinhas que corriam pra lá e pra cá gritando em seus celulares e com a cabeça tão vazia quanto a carteira de um universitário.
               O último raio de sol desapareceu, repentinamente aquele espetáculo laranja que cobria minha visão se foi, caminhei para perto do parapeito, senti o metal gelado arrepiar meus cabelos ao passar os dedos por ele, pensei em você, em como um pássaro chegaria rápido até sua casa, não aguentei mais o anseio, me lancei em voo livre, finalmente entendi, não há nada melhor que o abraço apertado da liberdade antes do fim.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Considere-se morto, o ar fica bem mais puro.

            Entre um gole e outro de mais uma garrafa de catuaba quente eu tinha um novo ataque de tosse, tampava a boca com a metade da mão que a blusa não cobria, o céu nublado, aquele vento gelado incessante que passava por trás da casa e se convertia num urro infernal, a tosse entre mais um gole da bebida ou um trago no cigarro, isso soaria tão poético se não fosse pela total falta de significado que tem quando se olha de um jeito cru.
             Não tem nada de especial na cena, não tenho o coração partido, nem feridas expostas, não estou triste pela primeira vez em um bom tempo, embora ainda ache que tudo soa como bosta, então comecei a pensar em como aqueles objetos, aquele clima, tudo remetia a solidão, em como nos cercamos de sinais e representatividade afim de "romantizar" o que sentimos, e sobre como ter domínio sobre esses sinais te dá o poder de moldar como as pessoas te veem.
              Então o que transforma um ator de bosta em um grande astro? O grande astro pode sentir o momento, não importa se é verdade, não importa se só o cenário carrega o sentimento, ele vai sentir de qualquer forma, mesmo sem motivo, todos somos atores principais no nosso ponto de vista do mundo, na forma como enxergamos a vida, você é o astro da sua novela, do seu filme, nossa vida, nossas lembranças são apenas um compilado de cenas que protagonizamos. Você tem feito por merecer o papel? Ou só abaixa a cabeça enquanto as cenas passam? Esse filme não tem reprise amigo, pare de romantizar e viva.





Ps. Em algum lugar do futuro você já está morto, como quer preencher o caminho que levou até esse momento?
           

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Não seja o pequeno príncipe, foda-se a rosa.

          Me despedi com um abraço frouxo e virei as costas, olhei a rua que se estendia na minha frente até sumir no horizonte, engoli seco, saliva e todas as palavras que eu gostaria de ter dito e ficaram entaladas na garganta. Um cachorro abanava o rabo próximo da esquina, começou a me seguir, como se entendesse que tudo que eu precisava naquela naquela noite onde o vento gelado castigava a pele, era uma boa companhia.
          Andei pelas ruas da cidade sem destino certo, era a minha atividade mais frequente ultimamente, quando meus pés arderam me sentei em uma calçada suja, acendi um cigarro, soprei a fumaça no focinho do cachorro que rosnou baixo em tom de desaprovação e em seguida se deitou em meus pés. O som calmo e melancólico que só The Smiths tem ecoava no meu fone de ouvido meio estragado e fazia aquela cena se tornar digna de um Tumblr qualquer feito por um adolescente revoltado.
           Peguei meu celular e então comecei a ler os status das pessoas, todas aquelas frases tristes e apaixonadas, toda aquela liberdade e amor próprio que as meninas exibiam no status enquanto no mundo real se prestavam a qualquer coisa, os garotos com frases subliminares sobre como estão se sentindo sozinhos, querendo não demonstrar como o sexo masculino é frágil e abalável, muito mais do que as mulheres pensam.
            Soprei fumaça no focinho do cachorro mais uma vez, depois outra e mais outra, a reação era sempre a mesma um leve rosnado em seguida o perdão e uma lambida leve na perna. No final é isso que estamos fazendo não é? Todos nós, perdoando pequenas ofensas de pessoas que mal conhecemos e esperando um afago por menor que seja, somos uma geração doente, de pessoas carentes que só se sentem bem com companhia, não importa o efeito colateral.
              Em relação a pessoas criadas lendo uma obra doentia sobre dependência como pequeno príncipe, não poderia esperar mais, aceitamos qualquer merda desde que tenhamos um buraco quente em que nos enfiar a noite.
         

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Pra casa, amigo.

             Sai de casa, senti a cabeça leve, os braços frios, malditos analgésicos, andei pela cidade, ainda tinha tempo, mas afinal pra onde eu estava indo? Olhei em volta, vi o vento balançar as palmeiras, as pessoas sorrirem, ouvi os sons que os carros tunados faziam ao passar por mim, que lugar engraçado, embora fosse o interior mineiro eu podia jurar por alguns segundos que estava na Califórnia.
              Caminhei em direção a uma velha e manchada escada de poucos degraus, localizada do lado de fora da escola onde estudei os meus primeiros anos, pensei em todos os meus antigos colegas, as garotinhas por quem soltava suspiros, o bolo de chocolate quentinho no lanche, aquela pobre tartaruga que colocávamos de patas pra cima, pra onde todos estão indo?
              Me sentei no último degrau, poucos minutos depois tinha companhia, quando finalmente chegou tudo que conseguimos foi trocar algumas palavras antes de nossos lábios finalmente se encontrarem, em uma dança úmida, lenta, com gosto de tic-tac de laranja, era bom não pensar em nada pra variar, apenas sentir, então algum tempo depois ela teve que ir embora, na despedida trouxe a tona a maldita pergunta, pra onde eu estava indo.
               Não tive resposta, o tempo pareceu parar, afinal pra onde eu estava indo? Ficar com uma garota bonita? Escrever bobagens em um blog? Me formar? Ter filhos? Ter emprego? Divórcios? Pensão? Alcoolismo? Crise de Meia idade? Comprar pão na esquina? Um bordel? Construir bens? Ter um legado? Mudar o mundo? No final não vamos todos pro mesmo lugar? Gandhi, Kurt Cobain, o padre da sua igreja, seus pais, as prostitutas, os mendigos, os bilionários, todos, não estamos indo no final das contas pro mesmo lugar? Não acabamos da mesma forma? A única diferença é o caminho afinal, então respondi finalmente.
                 - No final isso não importa certo? Nós temos esses pedaços estranhos de carne saltando do rosto e nem pra isso ligamos.
                 - Meu nariz não é estranho, idiota.
                 - E os bicos dos patos?
                 -  O que???
                 - É, eles são bonitos?
                 - O que tem isso com o assunto? São só bicos de patos iditoas.
                 - Diz isso porque não é um pato...
                 - Eu vou embora, João.
                 - Pra onde você vai?
                 - Pra casa, é claro.
                Aquilo me pareceu extremamente estranho, certo, familiar, nos abraçamos, voltei a andar, passei pela praça da cidade, encontrei um amigo, trocamos algumas palavras e o assunto acabou, então ele me pergunta pra onde estou indo, que noite estranha, eu finalmente sabia a resposta.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Um evento exagerado de forma clichê

         O barulho estridente do despertador, choro de bebê, os baques da maquina de lavar, o maldito cachorro da vizinha latindo sem parar, como pode o sujeito manter seu humor elevado quando infernizam-lhe tanto a cabeça antes mesmo dele calçar seus sapatos e sair da cama?
          Chego no banheiro, encaro a imagem no espelho, olheiras enormes, olhos apagados, cabelo desgrenhado, barba mal feita, suspiro, me pergunto então por que depois de tanto tempo ainda são raras as noites em que não sonho com "a garota".
           Então me foco em ler Bukowski, busco um refúgio livre de sentimentos bobos e clichês em suas palavras cruas e reais, tento todo o tempo ser abraçado pelo amargo e cinza de suas histórias, bebida, charutos, corrida de cavalos, nada fez sentido, afinal essa noite eu havia sonhado com ela e mais uma vez minha cabeça estava bagunçada demais pra me focar em ser o babaca de sempre, sem fé nas pessoas, tudo que queria era acreditar em algo, e desejar que aquele sonho se tornasse real, bom, não aconteceu, então parti pra cima de uma garrafa de vodka bem real.
             Sonhei acordado com a primeira e única vez em que realmente vi aqueles olhos castanhos imensos na minha fente.
              Tentava mais uma vez acender o cigarro enquanto um vendaval passava por mim, impaciente já havia tentado três vezes sem sucesso, sinto o calor de duas mãos se aproximarem do meu rosto, pálidas e pequenas, formam uma "cabaninha" em volta do cigarro que finalmente queimava, agradeci, ela sorriu da maneira mais clichê possível e partiu na direção do ônibus, não consegui proferir nem mesmo uma palavra enquanto ela se afastava cada vez mais.
               Entrou no ônibus, sentou, acenou, esbocei um leve sorriso.
               O vento apagou o cigarro.
               Droga.