sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Noites de verão

          Lá pelos vinte e poucos anos eu trabalhei em uma construção, daquelas que buscam homens nas vilas em volta e os amontoam em alojamentos minúsculos com cheiro de saco, carne ferventada e cimento. O trabalho era duro, a pior parte era justamente estar cercado de imbecis que mexiam com qualquer garota que passasse minimamente perto, não podia reclamar muito, se eu estava ali bancando o burro de carga por alguns trocados a hora eu certamente não havia feito muitas escolhas melhores que eles.
         O alivio vinha quando o sol se despedia, eu podia enfim tomar um banho e ir me embriagar nos botecos de luz amarelada e música brega, em um desses foi onde a encontrei, dançando alegre enquanto tragava seu cigarro paraguaio que queimava insanamente rápido, assim como o juízo de qualquer coitado que colocasse os olhos naquele par de coxas grossas e morenas, me aproximei.
          -Ei meu bem, não quer tomar uma cerveja e conversar?
          -São 40 reais.
          -Pra conversar?
          -Pra trepar ora, você é meio lerdo?
          E assim naquela noite acabei conhecendo aquelas coxas mais de perto, assim como todo aquele corpo moreno, nunca fui fã de pagar por sexo, mas algo naquele perfume doce fez com que eu perdesse o total controle, um erro tolo, os olhos se esquecem fácil, o toque se esvai, mas o cheiro sempre volta. Dessa maneira acabei voltando nas noites seguintes, até que ela não mais cobrava, não dinheiro, só queria saber sobre minha vida, eu pagava com histórias, de como era o interior, de como as pessoas podem ser más, dos problemas em casa, de como o garoto mais inteligente da turma pode acabar no trabalho braçal.
          O tempo passou e em uma longa noite quente entre os lençóis ela me beijou, isso ela nunca havia permitido, e no momento nem me senti mal pelo beijo apesar da sua profissão, eu havia cometido um erro, mais um na pilha enorme que se acumulava em minhas costas, havia naquele momento me apaixonado por uma puta. Dois dias se passaram e fui procurá-la no bar como sempre, nem sinal dela, cheguei perto do balcão.
          -Ei seu Zé, cadê a Raquel? Nem sei qual era seu nome real, dava um diferente pra cada um que perguntasse.
          -Você não soube? Coçou a careca. -Foi morta ontem, tadinha, levou dois tiros perto da BR, pelo visto algum cliente não saiu muito satisfeito, é triste garoto eu sei, mas são riscos dessa vida.
          Sai dali sem saber como reagir, então fiz o que sempre fazia, comprei mais um maço de cigarros, vaguei pela noite e no dia seguinte trabalhei com o triplo da força, com raiva e tristeza, algum tempo depois a obra ficou pronta, o serviço acabou por aquelas bandas e foi hora de voltar pra casa, me despedi daquele bar com uma feroz melancolia, porque no fim das contas era a única coisa que eu tinha pra me lembrar dela, muito tempo se passou desde então, muitos prédios, muitas paixões, mas sempre que sinto um cheiro doce de perfume aquelas coxas que mexiam junto a Jukebox surgem na mente e me fazem sorrir e continuar, porque no fim das contas um novo amor sempre pode surgir, seja ele em um lugar santo ou num boteco sujo tragando seu cigarro paraguaio pronta para a próxima trepada.  

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