segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

As vezes sinto que estou morto

    Em um fim de semana qualquer eu fui beber. É sempre assim que começa, as vezes saindo só do quarto para a sala, outras para o outro lado da cidade, quando acontece a segunda opção o caminho é sempre agradável, sinto o vento no rosto e as árvores dançam entortando os galhos nas mais diversas posições, desço as mesmas ruas de sempre e sinto o odor de cada caminho, alguns tem cheiro de flores, outras de óleo diesel e estopa, mas a maioria é composta de rostos embriagados e cheiro de mijo, com o tempo você se acostuma, até mesmo passa a gostar. Assim que cheguei no bar de sempre, com a mesma fachada velha e dono rabugento avistei um aceno, vinha de uma mesa afastada, com diversos rostos conhecidos, antes que pudesse dar um passo fui acometido por um devaneio.

    Quando eu era criança olhava curioso pela janela, o mundo era selvagem e desconhecido, todas as pessoas tinham um enorme potencial na minha mente, tanto para serem meus grandes amigos, quanto o meu maior terror, as ruas não soavam tão familiares, e cada esquina guardava um segredo, eu olhava para os bueiros e imaginava que se eu entrasse ali e fosse fundo o bastante eu talvez encontraria uma outra dimensão, um mundo desconhecido, nunca entrei, talvez devesse.

    Balancei a cabeça, como se tentasse espantar as lembranças e fui em direção a mesa, abracei algumas pessoas e só sorri para outras, entre goles de uma cerveja que não escolhi, conversava sobre assuntos que não escolhi, algumas interações não tem nada de profundo, as palavras saem automaticamente e não há uma linha de raciocínio real necessária, as vezes eu tentava dizer algo e era interrompido, ignorava e seguia em frente, outras era cortado em meio a uma história por alguém com mais interesse em se vangloriar da sua adolescência badalada do que em ouvir.

    Como sempre me acontece fui perdendo o interesse aos poucos, paguei minha parte da conta, comprei um salgado de presunto e sai pela rua alternando entre passos e mordidas. Sentei em uma calçada qualquer em um quarteirão mais silencioso, limpei os dedos engordurados no meu velho jeans, peguei meu celular e não havia nenhuma mensagem. Pensei na memória de infância que tive mais cedo, e em toda a minha semana, as pessoas que esbarravam em mim na rua e não diziam uma palavra, uma mosca que me perseguiu por quase dois dias, as conversas ignoradas, as mensagens não respondidas, e em todas as coisas que não escolhi, me sentia um morto vivo, uma velha lembrança que vai ficando sem cor até que desaparece, com um tapa no meu próprio rosto voltei pra realidade, se podia sentir dor eu ainda estava aqui.

    Naquele dia fui pra casa e não pensei mais no assunto, mas volta e meia aquela sensação ainda me atormenta, de que estou morto e não me dei conta, de que talvez eu tenha entrado naquele bueiro e me afogado, no entanto o pior vem quando percebo que ainda estou aqui, e ainda assim parece não fazer a menor diferença.




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