quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Escafandro Jones

          Certa noite acordei as 3:45 com o som das ondas em minha cabeça, não eram elas, apenas uma infecção de ouvido que há algum tempo me importunava, seja como for aquilo me fez pensar sobre o dia em que conheci o mar.
          Não entendia o porque estava ali, mas sempre me disseram que seria lindo, não era tão incrível no fim das contas, haviam latas vazias por todo lado, o sal fazia as gretas do corpo arderem e uma garrafa de água custava 5 pratas. Mas foi ali sentado na areia, bebendo pra superar a frustração que conheci ele, Escafandro Jones, pode imaginar isso? Que tipo de mãe imbecil colocaria tal nome em um filho? O que caralhos é um escafandro? Talvez nem fosse esse seu nome, mas a minha embriaguez não me dava força suficiente pra contestar. Já era noite, sentou ali do meu lado na areia fria, acendeu um cigarro.
          - Sabe garoto, existem mais de 7 bilhões de pessoas no planeta, ricas, pobres, comendo putas, passando fome, lindas, horrorosas, pagando suas contas, ou simplesmente ocupando espaço, em algum tempo todas estarão mortas, não vai sobrar nenhuma mesmo que para se lamentar das escolhas infelizes da nossa raça, mas o mar ainda vai estar aqui, as ondas vão lavar as nossas pegadas e todo o lixo que julgamos importante, toda arte, cultura e toda essa bosta que gente moderna curte enfiar no rabo, a única coisa que vai restar será o barulho da água quebrando nos destroços de quem nós fomos.
          - Olha senhor Jones, Escafandro é o pior nome que já ouvi, amaldiçoada seja sua mãe. 
        Rimos de leve, roubei um cigarro e acabamos de esvaziar aquela vodka barata, contei a ele sobre uma garota que havia conhecido que conseguia abrir qualquer garrafa sem as mãos, só com a força das coxas e de como ela era capaz de acabar com aquela baboseira existencial dele em apenas uma rebolada.
          Mas hoje acordado nessa noite nostálgica aquilo me serve de consolo, os sonhos não são um sintoma a ser superado, quer dizer, no fim das contas são tudo que nos resta, e depois de um dia de merda são eles que nós dão a garra pra não nos atirar do décimo andar, tudo vai acabar, cedo ou tarde, pra mim ou pra você em tempos diferentes mas vai, então sinceramente não há lógica em não aproveitar a vida e fazer o que se quer as vezes, afinal o fracasso e a culpa podem ser uma merda mas não importa, porque em algum tempo, tudo será mar.
          Mas por Deus, que porra de nome é Escafandro?
           

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Noites de verão

          Lá pelos vinte e poucos anos eu trabalhei em uma construção, daquelas que buscam homens nas vilas em volta e os amontoam em alojamentos minúsculos com cheiro de saco, carne ferventada e cimento. O trabalho era duro, a pior parte era justamente estar cercado de imbecis que mexiam com qualquer garota que passasse minimamente perto, não podia reclamar muito, se eu estava ali bancando o burro de carga por alguns trocados a hora eu certamente não havia feito muitas escolhas melhores que eles.
         O alivio vinha quando o sol se despedia, eu podia enfim tomar um banho e ir me embriagar nos botecos de luz amarelada e música brega, em um desses foi onde a encontrei, dançando alegre enquanto tragava seu cigarro paraguaio que queimava insanamente rápido, assim como o juízo de qualquer coitado que colocasse os olhos naquele par de coxas grossas e morenas, me aproximei.
          -Ei meu bem, não quer tomar uma cerveja e conversar?
          -São 40 reais.
          -Pra conversar?
          -Pra trepar ora, você é meio lerdo?
          E assim naquela noite acabei conhecendo aquelas coxas mais de perto, assim como todo aquele corpo moreno, nunca fui fã de pagar por sexo, mas algo naquele perfume doce fez com que eu perdesse o total controle, um erro tolo, os olhos se esquecem fácil, o toque se esvai, mas o cheiro sempre volta. Dessa maneira acabei voltando nas noites seguintes, até que ela não mais cobrava, não dinheiro, só queria saber sobre minha vida, eu pagava com histórias, de como era o interior, de como as pessoas podem ser más, dos problemas em casa, de como o garoto mais inteligente da turma pode acabar no trabalho braçal.
          O tempo passou e em uma longa noite quente entre os lençóis ela me beijou, isso ela nunca havia permitido, e no momento nem me senti mal pelo beijo apesar da sua profissão, eu havia cometido um erro, mais um na pilha enorme que se acumulava em minhas costas, havia naquele momento me apaixonado por uma puta. Dois dias se passaram e fui procurá-la no bar como sempre, nem sinal dela, cheguei perto do balcão.
          -Ei seu Zé, cadê a Raquel? Nem sei qual era seu nome real, dava um diferente pra cada um que perguntasse.
          -Você não soube? Coçou a careca. -Foi morta ontem, tadinha, levou dois tiros perto da BR, pelo visto algum cliente não saiu muito satisfeito, é triste garoto eu sei, mas são riscos dessa vida.
          Sai dali sem saber como reagir, então fiz o que sempre fazia, comprei mais um maço de cigarros, vaguei pela noite e no dia seguinte trabalhei com o triplo da força, com raiva e tristeza, algum tempo depois a obra ficou pronta, o serviço acabou por aquelas bandas e foi hora de voltar pra casa, me despedi daquele bar com uma feroz melancolia, porque no fim das contas era a única coisa que eu tinha pra me lembrar dela, muito tempo se passou desde então, muitos prédios, muitas paixões, mas sempre que sinto um cheiro doce de perfume aquelas coxas que mexiam junto a Jukebox surgem na mente e me fazem sorrir e continuar, porque no fim das contas um novo amor sempre pode surgir, seja ele em um lugar santo ou num boteco sujo tragando seu cigarro paraguaio pronta para a próxima trepada.