quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Insensatez


           Não há só uma viva alma que não tenha sofrido de uma forma ou outra por amor, então porque insistimos nisso? Eu pensava comigo mesmo enquanto rasgava nossas fotos. Aquelas noites eu juro, foram as mais longas da minha vida, eu agradecia ao universo pela minha insônia, pela primeira vez, se eu dormisse afinal sabia que sonharia com a causa dos meus prantos, até mesmo se fechasse os olhos, por mais tempo que uma leve piscada, seu rosto estaria ali me assombrando, mostrando-me que falhei, mais uma vez.
        Depois de um tempo, dormi, e como naquela música acordei mais cansado que sozinho, mensagens lotavam meu celular, não respondi, não me importa, o dia estava nublado, as pessoas estavam entediantes, tudo parecia ter voltado para o lugar, é claro, ainda sentia que faltava um pedaço meu, então eu preenchia com garrafas e mais garrafas de vinho barato, até meu estômago se rebelar, até o mundo girar a minha volta, e eu finalmente poder vomitar aquela mágoa, no chão do banheiro, enquanto a água gelada do chuveiro caía sobre meu corpo, não é uma cena glamorosa como nos filmes, nem pretendo romantizar, o fato é que naquele pequeno momento, em que meu ego se diluía, em que eu perdia o controle do meu corpo e mente, meu mundo se tornava apenas um espiral de embriaguez, eu podia finalmente ter ao menos alguns segundos em paz, sem sentir que ela levou minhas entranhas, e que sou só um manequim oco, sem motivo para viver.
          Sempre me disseram que tenho alma de poeta, mas não, não existe tal coisa, as palavras estão soltas, todos podem pegar sua parte, mas acontece que pra alguém com a alma despedaçada elas funcionam como uma cola, você escreve o que sente, em cada pedacinho do seu ser, e as partes parecem menos desconexas, é possível racionalizar o que aconteceu, e apesar é claro das inúmeras cicatrizes abjetas, você consegue mais uma vez, unir-se, e encontrar a si mesmo, sem precisar de alguém que o complete, não precisa fingir mais, não precisa ser durão, as pessoas ainda sentem, o romance não está morto, a alma nunca deixa de regenerar-se, trauma após trauma, mas a dor precisa ser sentida, então beba, fume, berre loucamente, corra até seus pés sangrarem, reze, chore, faça qualquer coisa, mas siga em frente, suas feridas não te definem você é que define a importância que elas tem, você não é a sua dor.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Efervescência

        Eu a conheci por acaso, aquele verão nos envolveu numa louca onda de calor, nos encontrávamos sempre que possível, as horas viravam minutos e a maré de sua voz doce colidia ferozmente contra meu temperamento seco e arenoso. Ela ria das minhas antigas frustrações, das minhas piadas sem graça, e até da minha mania de mudar de assunto quando deixava escapar algo fofo, sim, chorava na mesma intensidade quando me via triste, dopado de remédios e com os olhos sem vida e opacos, como um manequim, nunca foi minha intenção que ela ficasse mal, não por mim, mas a vida é bem clara a respeito disso, quase tudo que acontece no final das coisas independe da nossa vontade.
      Numa noite qualquer nós nos esquecemos do tempo, silenciamos os celulares, e rasgamos a cidade, eu mostrei os lugares aonde ia para escrever, onde ia odiar o que tinha escrito, e onde me afogava em bebida enquanto lamentava nunca chegar onde queria, claro, também o meu refúgio, onde olhava o céu cheio de estrelas, onde as palmeiras dançavam com o vento, nos beijamos violentamente, sem preocupações, mas quando o sol ameaçou nascer, eu resolvi leva-la para casa, mesmo que nosso fôlego não tivesse morrido.
     - Você sabe dizer o que sente por mim, João? - Disse ela.
     - Eu gosto de passar o tempo com você, mas não sei o que sinto. E quanto a você? - Respondi.
     - Sei sim, exatamente, e é justamente isso que tanto me assusta.
        Nunca soube nomear sentimentos, é como tentar definir uma sinfonia inteira em apenas uma nota, não cabe, explode como o som da nossa pele que se choca entre os lençóis, transborda como suas lágrimas naquele filme bobo, ou em alguns casos apenas definha, até que você percebe que tudo que sobrou foi o silêncio. E o silêncio eu não posso permitir, não importa se somos amantes eternos ou só um romance de verão, eu nunca poderia suportar ser o responsável por silenciar sua alma, e repentinamente me dar conta que sou apenas mais um cara num bar sem nada a dizer, com uma mulher ao meu lado de braços cruzados e olhar tedioso.