sexta-feira, 15 de abril de 2016

Pra casa, amigo.

             Sai de casa, senti a cabeça leve, os braços frios, malditos analgésicos, andei pela cidade, ainda tinha tempo, mas afinal pra onde eu estava indo? Olhei em volta, vi o vento balançar as palmeiras, as pessoas sorrirem, ouvi os sons que os carros tunados faziam ao passar por mim, que lugar engraçado, embora fosse o interior mineiro eu podia jurar por alguns segundos que estava na Califórnia.
              Caminhei em direção a uma velha e manchada escada de poucos degraus, localizada do lado de fora da escola onde estudei os meus primeiros anos, pensei em todos os meus antigos colegas, as garotinhas por quem soltava suspiros, o bolo de chocolate quentinho no lanche, aquela pobre tartaruga que colocávamos de patas pra cima, pra onde todos estão indo?
              Me sentei no último degrau, poucos minutos depois tinha companhia, quando finalmente chegou tudo que conseguimos foi trocar algumas palavras antes de nossos lábios finalmente se encontrarem, em uma dança úmida, lenta, com gosto de tic-tac de laranja, era bom não pensar em nada pra variar, apenas sentir, então algum tempo depois ela teve que ir embora, na despedida trouxe a tona a maldita pergunta, pra onde eu estava indo.
               Não tive resposta, o tempo pareceu parar, afinal pra onde eu estava indo? Ficar com uma garota bonita? Escrever bobagens em um blog? Me formar? Ter filhos? Ter emprego? Divórcios? Pensão? Alcoolismo? Crise de Meia idade? Comprar pão na esquina? Um bordel? Construir bens? Ter um legado? Mudar o mundo? No final não vamos todos pro mesmo lugar? Gandhi, Kurt Cobain, o padre da sua igreja, seus pais, as prostitutas, os mendigos, os bilionários, todos, não estamos indo no final das contas pro mesmo lugar? Não acabamos da mesma forma? A única diferença é o caminho afinal, então respondi finalmente.
                 - No final isso não importa certo? Nós temos esses pedaços estranhos de carne saltando do rosto e nem pra isso ligamos.
                 - Meu nariz não é estranho, idiota.
                 - E os bicos dos patos?
                 -  O que???
                 - É, eles são bonitos?
                 - O que tem isso com o assunto? São só bicos de patos iditoas.
                 - Diz isso porque não é um pato...
                 - Eu vou embora, João.
                 - Pra onde você vai?
                 - Pra casa, é claro.
                Aquilo me pareceu extremamente estranho, certo, familiar, nos abraçamos, voltei a andar, passei pela praça da cidade, encontrei um amigo, trocamos algumas palavras e o assunto acabou, então ele me pergunta pra onde estou indo, que noite estranha, eu finalmente sabia a resposta.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Um evento exagerado de forma clichê

         O barulho estridente do despertador, choro de bebê, os baques da maquina de lavar, o maldito cachorro da vizinha latindo sem parar, como pode o sujeito manter seu humor elevado quando infernizam-lhe tanto a cabeça antes mesmo dele calçar seus sapatos e sair da cama?
          Chego no banheiro, encaro a imagem no espelho, olheiras enormes, olhos apagados, cabelo desgrenhado, barba mal feita, suspiro, me pergunto então por que depois de tanto tempo ainda são raras as noites em que não sonho com "a garota".
           Então me foco em ler Bukowski, busco um refúgio livre de sentimentos bobos e clichês em suas palavras cruas e reais, tento todo o tempo ser abraçado pelo amargo e cinza de suas histórias, bebida, charutos, corrida de cavalos, nada fez sentido, afinal essa noite eu havia sonhado com ela e mais uma vez minha cabeça estava bagunçada demais pra me focar em ser o babaca de sempre, sem fé nas pessoas, tudo que queria era acreditar em algo, e desejar que aquele sonho se tornasse real, bom, não aconteceu, então parti pra cima de uma garrafa de vodka bem real.
             Sonhei acordado com a primeira e única vez em que realmente vi aqueles olhos castanhos imensos na minha fente.
              Tentava mais uma vez acender o cigarro enquanto um vendaval passava por mim, impaciente já havia tentado três vezes sem sucesso, sinto o calor de duas mãos se aproximarem do meu rosto, pálidas e pequenas, formam uma "cabaninha" em volta do cigarro que finalmente queimava, agradeci, ela sorriu da maneira mais clichê possível e partiu na direção do ônibus, não consegui proferir nem mesmo uma palavra enquanto ela se afastava cada vez mais.
               Entrou no ônibus, sentou, acenou, esbocei um leve sorriso.
               O vento apagou o cigarro.
               Droga.