terça-feira, 15 de outubro de 2019

Vinte e poucos anos.


          Já teve um daquelas semanas fodidas? Onde nada parece fazer sentido e você sente que se perdeu em algum lugar há muito tempo? Essa é uma sensação recorrente na minha vida, como se eu tivesse deixado de ser alguém e me tornado apenas uma sombra, uma lembrança, de algo que existiu mas não importa mais, alguém que as pessoas tem que apertar os olhos como se precisassem de óculos pra perceber que está ali ainda assim sem conseguir identificar ao certo do que se trata exatamente.
          É uma quarta-feira qualquer e estou em casa, matei aula mais uma vez, a faculdade é muito diferente do que disseram, eu abro uma lata de cerveja e já não é nenhuma surpresa estar bebendo no meio da semana, olho no celular e vejo a foto de uma garota, ela é linda e eu não me sinto bom o bastante para ela, vou até o espelho do banheiro e me pergunto o que houve, para onde foi aquele moleque que todos elogiavam, tento lembrar onde tudo mudou, onde eu deixei de ser feliz, a resposta não vem, ela nunca vem, então só volto para o quarto e existo em um canto qualquer em meio a melancolia da falta de sentido.
          Quando eu era criança sabia exatamente o que fazer, sabia como seria meu futuro e quais seriam meus próximos passos, quem eram meus melhores amigos e quem me causava dor, hoje eu deslizo o dedo por uma grande lista de contatos e sinceramente não sei diferenciar. A vida parece ser só um amontoado de contas pra pagar que fazem muito bem o papel de te distrair de quem você realmente é, ainda assim eu não queria ser rico, se tendo que lutar pra me manter minha cabeça ainda encontra tempo de pensar merda eu imagino como seria sem as preocupações financeiras de sempre.
         Eu geralmente sempre escrevo quando me sinto mal, e isso me ajuda a colocar a cabeça no lugar, no último parágrafo uma súbita inspiração toma conta de mim e consigo enxergar meu problema de fora e encontrar uma solução, hoje isso não aconteceu, mesmo depois de 8 textos, porque essa angústia não é só minha, somos muitos, jovens, vinte e poucos anos, contas pra pagar, sem amigos reais ou identidade, marchando vendados em grandes comboios para o futuro incerto que bate na porta, dia após dia.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Planetas gêmeos

          Você já deve ter lido algum texto genérico sobre como cada pessoa é um universo, é uma frase pronta bem famosa na verdade, o interessante sobre esse tipo de clichê é que boa parte deles é real, todos vemos o mundo de um modo diferente e único, cada acontecimento é experimentado de uma forma singular e especial por cada um dos bilhões de indivíduos que vagam por esse planeta. 
          É exatamente assim que me sinto quando estou com ela, como se dentro de mim houvessem órbitas, astros e cometas, principalmente quando meus lábios tocam de leve sua pele pálida,  nesse momento uma estrela explode e uma supernova de euforia me consome por dentro.
          Saio com esse pensamento na cabeça, ando por ruas sem importância, sinto o sereno leve que cai sem parar, os grilos cantam e sombrinhas coloridas são agitadas em todas as direções, volto o meu foco pra todos os casais que vejo, é lindo. Duas pessoas que se amam, que decidem dividir a trajetória, dois universos na mesma sintonia, órbitas sincronizadas, planetas gêmeos que se encontram em meio a imensidão da existência.
          No fim das contas isso é tudo que importa, nossos encontros e colisões, não há nada além disso pra se levar da vida, não interessa como você morre, só como você vive, apenas os momentos felizes e a esperança de estarmos juntos mais uma vez, dançando em meio ao caos primordial.



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Her.


          Eu sempre gostei de escutar, escutava o que as pessoas tinham a dizer todo o tempo, na fila do banco, no trabalho, no mercado, em casa, atravessando a rua, onde quer que seja sempre havia alguém disposto a me inundar com uma enxurrada de informações pessoais das quais eu nunca perguntei. 
          Acho que algumas pessoas nascem assim, com cara de confessionário, com o tempo me acostumei, aprendi que o melhor conselho é o silêncio, a última coisa que uma pessoa com problemas quer é a solução, a magia está em reclamar, em mostrar ao mundo: OLHA EU SOFRO HORRIVELMENTE, MAS EU SOU FELIZ OK? É como as coisas acontecem, as pessoas reclamam, os velhos morrem, o orvalho evapora, e não tem nada de errado com isso, contanto que você esteja verdadeiramente feliz, há menos de uma semana, eu fui. 
          Eu poderia morrer ali mesmo, sempre imaginei minha morte assim, na companhia de alguém que amo, repentina e indolor após um momento feliz, não vejo glamour em envelhecer, lutar pela vida ou ver minhas relações se deteriorarem assim como meu intelecto.
          Devia ser umas 03:00 da manhã, eu fumava na janela, toalha na metade da cintura, enquanto olhava as estrelas por cima do muro cinza chapiscado. Eu tragava bem fundo e serrava os olhos mais uma vez em direção ao céu, o vento acertava meu rosto, naquela noite de verão não era o bastante pra esfriar, nesse momento na verdade, nada poderia, deitada na cama ao lado, com seus cabelos negros e respiração profunda estava a razão de tanto calor. Me virei em sua direção e acariciei sua bochecha abaixo do delineado, senti seu perfume doce e o cheiro da fumaça invadirem minhas narinas, e aquele momento é tudo que existe.