A vida sempre passou de uma forma
estranha pelos meus olhos, eu sempre busquei um refúgio, um lugar seguro onde
pudesse pensar, nessa cidade sempre foi a linha do trem, eu olho as avenidas em
volta, vejo as luzes, os carros, a organização, e isso me faz pensar sobre como
minha cabeça funciona, seria tudo harmonioso na teoria certo? Mas assim como
nessas ruas na nossa mente também acontecem acidentes, diria que até com mais
frequência, e os danos são tão difíceis de reparar.
Me sento na linha e olho pro céu, as nuvens passam rápido, no
ritmo dos meus pensamentos, no visor do celular nenhuma mensagem, crescer é
realmente uma merda, os amigos se afastam, os dramas amorosos se intensificam,
e além de tudo você tem que trabalhar, o que seria algo ótimo pra ocupar a
cabeça, mas quando você tá fodido num grau muito elevado as convenções sociais
se tornam uma tortura. Jogo a bituca do meu cigarro entre dois trilhos, encaro
minha botina surrada, droga, eu só queria ter 8 anos de novo.
Você não pode se permitir sentir demais certo? Pelo menos não
pode deixar transparecer, somos criados com o ideal de que o homem feliz é o
homem forte, você tem que ser adulto, profissional, inabalável, um robô focado
em fazer grana. Na real você se torna realmente só mais uma engrenagem enferrujada
da grande máquina social, você não faz barulho demais com medo de ser
substituído, se contenta com uma quantidade limitada de óleo e se agrupa com os
semelhantes.
O barulho do apito me trouxe de volta pra realidade, os
trilhos começaram a tremer, uma buzina escandalosa berrava sem cessar, pensei
em como trocaria toda essa vida de aparências por só um dia de utopia, não sai
dos trilhos. O trem passou, eu não passei dali.